terça-feira, 2 de abril de 2013

CÉREBRO - MÁQUINA DE APRENDER




O órgão mais complexo do corpo humano tem capacidade de se moldar ao longo da vida. Nós somos capazes de aprender sempre.
Um menino muito curioso, Jian tem 11 anos e, até o ano passado, não sabia ler, nem escrever. Já tinha passado por várias turmas, até entrar na sala da tia Ana. Em três meses, tudo mudou.
Professora há 15 anos, Ana Presciliana Santos observa atentamente cada aluno. Assim, consegue perceber as dificuldades deles, e sabe como motivar a criançada. Ana ensina brincando.
Ana trabalha há cinco anos em uma escola municipal de uma região pobre de Juiz de Fora, em Minas Gerais. A maneira como a professora ensina mudou completamente há três anos, quando descobriu a neurociência, a ciência que estuda o cérebro.
Desde então, 100% dos alunos que passaram pela sala da tia Ana saíram alfabetizados. “Cada dia você ativa uma área do cérebro, com desenho, com arte, com gráfico, com tudo, e eles ficam mais felizes, aprendem mais, se concentram mais”, diz.
“Não pense que a criança está perdendo tempo porque ela está usando um videogame ou ela está brincando com o violão. Se, na sequência, você mudar para matemática, aquilo que era muito chato, abstrato, incompreensível, passa, quem sabe, a ser interessante, porque o cérebro dela está preparado para focar atenção. Ela está feliz porque fez uma coisa interessante”, afirma Roberto Lent, neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nós somos o nosso cérebro. Sem ele, nada no corpo funcionaria. Para falar, andar, comer, se mexer, para tudo o que fazemos, precisamos do cérebro. O órgão pesa muito pouco, não chega a um quilo e meio. Ocupa menos de 2% do corpo, mas consome 20% da nossa energia.
Nosso cérebro custa caro. “Custa caro em termos de energia e em termos de investimento. Entre 500 e 600 calorias mais ou menos, daquelas 2 mil que a gente consome por dia, vão só para manter o cérebro funcionando”, diz Suzana Herculano-Houzel, neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“É mentira, completamente mentira, a gente usa o cérebro todo, 100% do cérebro, inclusive enquanto você está dormindo”, afirma Suzana, sobre a história de que só 10% do cérebro são usados. É o nosso órgão mais complexo.
“A única coisa que se compara ao cérebro é o numero de galáxias no universo. A ordem de dimensão é a mesma, são centenas de bilhões de neurônios”, diz Miguel Nicolelis, chefe do departamento de Neurociência da Universidade Duke (EUA).
Assim como as galáxias, o cérebro é difícil de desvendar. É a parte do nosso corpo que menos se deixa revelar. Temos cerca de 86 bilhões de neurônios, que são células especializadas em comunicação.
A atividade cerebral é a troca de informações entre esses neurônios, mas eles não se tocam diretamente. A comunicação se dá através da sinapse, que é a conexão entre neurônios. É a área em que dois neurônios passam informações de um para o outro através de impulsos elétricos.
  
O cérebro nasce com aproximadamente 250 bilhões de sinapses. Aos oito meses, o bebê já fez 600 bilhões de sinapses.  Esse excesso de conexões no começo da vida é apenas matéria-prima.
É como se fosse um bloco de gelo bruto. Ali dentro há todas as possibilidades de escultura, mas, por enquanto, ainda não é nada. Para que este bloco se transforme em uma escultura de fato, todo material que está sobrando tem que ser removido. No cérebro, o que faz essa eliminação é justamente o uso.
Quanto mais a gente usa o nosso cérebro, mais ele vai se definindo. As conexões que a gente não usa vão sendo eliminadas. Aprender muda o cérebro. Somos capazes de modificar a nossa estrutura cerebral até o último dia de nossas vidas. Vários estudos já comprovaram isso.
Um deles foi realizado com taxistas de Londres. Neurocientistas conseguiram comprovar que a massa cinzenta dos motoristas de táxi aumenta depois que eles memorizam as ruas da cidade. Para poder dirigir um desses símbolos de Londres, não basta ser um bom motorista. É preciso estudar muito para conseguir decorar 25 mil ruas.
O duro treinamento leva cerca de três anos e apenas metade dos candidatos consegue passar. Na pesquisa feita pelos neurocientistas ingleses, foi usado um aparelho de ressonância magnética funcional, que mede a mudança no fluxo sanguíneo dentro do cérebro, enquanto os candidatos a taxista jogavam um videogame que recriava as ruas do centro de Londres.
Os pesquisadores iam acompanhando o que acontecia no cérebro deles. A conclusão foi que os aprovados ganharam, além da licença para dirigir táxis, uma massa cinzenta bem maior.
Neurocientistas são unânimes em afirmar que é possível melhorar a capacidade do nosso cérebro sempre, mas... “Fazer só palavra cruzada não é a solução, mas usar e manter o cérebro sendo desafiado continuamente, intelectualmente. É quase como músculo. Se você para de usar o músculo, tem uma atrofia. O cérebro é muito assim”, afirma Nicolelis.

Exercício cerebral constante pode levar à excelência no que se faz


Ana Botafogo e Thiago Soares, dois ícones do balé clássico. Joe Satriani, John Petrucci e Steve Morse, três gênios da guitarra. Além de serem excepcionais no que fazem, o que mais eles têm em comum?
Muita coisa: motivação, foco, atenção e anos e mais anos de prática. Os três guitarristas começaram a tocar ainda muito jovens, por volta de 11, 12 anos de idade, e estudam até hoje. “É um instrumento que você pode estudar a vida inteira, e ainda assim vai encontrar desafios”, afirma Steve Morse, guitarrista do Deep Purple.
A mais famosa primeira bailarina brasileira dança desde criança. “São muitas horas de exercício, são exercícios a vida toda”, afirma Ana. O primeiro bailarino do Royal Ballet de Londres começou um pouco mais tarde, já adolescente, mas treina muito, todos os dias da semana. “Umas seis horas e meia a oito horas por dia, fora os espetáculos”, diz Thiago.
Tanta dedicação assim explica, em parte, o sucesso deles. “A princípio, qualquer pessoa pode se tornar excelente, extraordinária no que ela faz, desde que ela tenha um interesse extraordinário pelo que ela faz, e a oportunidade de praticar a um nível extraordinário também com aquilo. É suor mesmo”, diz Suzana Herculano-Houzel, neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Praticar modifica o  cérebro. Para percorrer uma mata, você tem que construir uma série de trilhas. Depois de algum tempo, você percebe que só vai explorar algumas trilhas e elas se tornam mais largas, viram quase estradas.
As que você não percorre vão desaparecendo e, depois de um tempo, a sua mata está assim. É exatamente o que acontece no nosso cérebro. Quanto mais praticamos, mais fortalecemos o caminho que o nosso cérebro faz para executar uma determinada tarefa. Assim ficará mais fácil achar essa trilha da próxima vez.
Há períodos na vida em que ocorrem mudanças no cérebro com mais intensidade. São as chamadas janelas de oportunidade. A maior delas acontece quando deixamos de engatinhar e começamos a andar.
“A criança, até os dez meses de idade, é quadrúpede. Vai engatinhando, e tem um cérebro que funciona que nem o do cachorro ou de qualquer animal quadrúpede. Olhar como um quadrúpede olharia. Quando a criança começa a ficar em pé, descobre um mundo novo”, afirma o neurocientista Ivan Izquierdo, da PUC/RS.
"Aí nascem novos neurônios, ou crescem conexões entre neurônios da vida bípede e morrem diretamente os neurônios que ele carregava da vida quadrúpede. Depois nunca mais na vida teremos uma perda tão gigantesca como essa”, afirma Izquierdo.
“A aprendizagem é toda mais fácil quando é feita de criança. Quanto mais cedo ela puder aprender, melhor”, diz Paulo Ronca, doutor em Psicologia Educacional da Unicamp. É possível começar a criar memórias de longa duração desde pequeno.
Esse é o objetivo da escola municipal de Guarani, uma cidade mineira de apenas 9 mil habitantes. Os professores usam fundamentos da neurociência, a ciência que estuda o cérebro, para preparar os alunos para a alfabetização.
Quem trouxe a neurociência para algumas escolas de Minas Gerais foi a professora Elvira Souza Lima, coordenadora do projeto Escrita para Todos.  “A criança, nesse período, que é o período do faz de conta, ela cria, mas tem que ser um criar sem avaliação. Então, para a criança que canta todo dia, desenha todo dia, escrever todo dia vai ser absolutamente uma consequência natural”, diz.
Lá, nada é forçado. A ideia é que o aprendizado seja natural, sem imposições, sem críticas. Muito pelo contrário: segundo a neurociência, elogiar é fundamental. “Elogiar é uma motivação extraordinária. Eu acho que precisa ser mais usada, em escolas, em casa”, diz Herculano-Houzel.
“É isso que nós queremos: que nosso aluno tenha, aqui na escola, uma emoção positiva para que ele guarde aquilo na memória e possa usar lá na frente”, afirma Eliana Alvim, supervisora da escola de Guarani.
Não são só emoções positivas que a gente guarda na memória. Acontecimentos negativos também podem ficar para sempre na nossa cabeça. Quem não se lembra onde estava no dia 11 de setembro de 2001? “Todo mundo se lembra onde estava, com quem falou, que horas eram. Foi um momento emocionalmente muito forte, muito intenso.  Então, isso grava melhor”, afirma Izquierdo.
Gravamos até quando não fazemos, até quando não estamos executando a ação. Neurocientistas afirmam: imaginar é quase praticar. “Se eu pedir a você que se imagine andando de bicicleta, é capaz de imaginar-se andando de bicicleta. Se você fizer isso, e eu puder registrar as suas áreas cerebrais, o seu cérebro em funcionamento, as regiões que vão estar ativas são muito parecidas, praticamente as mesmas, que estão ativas quando você, de fato, está andando de bicicleta. Daí se pode concluir que a imaginação é um treinamento.”, explica Robert Lent, neurocientista da UFRJ.
 Ana Botafogo e Thiago Soares sabem bem disso. “Tem coisas que eu não quero me desgastar fisicamente porque eu já fiz muito. Então, faço na memória, ou faço pensando, imaginando que eu estou fazendo. Às vezes, a gente até fala, marcando”, diz Thiago.
Foi imaginando que o jogador de basquete Michael Jordan ganhou um dos títulos dele na NBA, a liga profissional americana. “O mundo inteiro esperava aquela jogada para ganhar o título. Como ele recebeu a bola, e faltavam três segundos, o Michael Jordan ia tentar fazer a cesta. Só que ele pensou anos antes, anos, que se ele tivesse em uma situação dessas, ele ia passar a bola. Porque ia ter alguém sozinho, e foi exatamente o que aconteceu. Três jogadores vieram nele, e tem um jogador que ninguém mais lembra, que é o Carr, que pega a bola e faz a cesta”, diz Miguel Nicolelis, chefe do departamento de Neurociência da Universidade Duke (EUA).
Trabalho de neurocientistas melhora desempenho de estudantes e atletas
Como você lida com os desafios que surgem na sua vida? Foi com essa pergunta na cabeça e a asa delta nas mãos que o recordista mundial em número de voos duplos, o carioca Ruy Marra, se jogou, sem medo, em uma área que tem muito a revelar: a neurociência, a ciência que estuda o cérebro, aplicada ao esporte.
Ruy já voou com 20 mil pessoas e notou que elas reagem de forma diferente na hora da decolagem. Ficou curioso para saber por que todo mundo garante que vai correr na rampa, mas só 5%, de fato, correm para valer.
O instrutor e o aluno dele têm que alcançar 19 quilômetros por hora nessa corridinha antes do voo. Neste momento, o cérebro joga adrenalina no sangue. O coração começa a bater mais rápido. Os pulmões também passam a respirar mais rápido para gerar mais oxigênio. Todos os músculos do corpo se contraem para formar uma espécie de couraça de proteção. Agora, sim, o corpo está preparado para começar o voo.
Ruy quis saber o que se passa na cabeça das pessoas quando estão diante de situações de tensão. Fez uma pesquisa com 2 mil pessoas que voaram com ele durante dez anos. “Eu comecei a encontrar padrões de comportamento sob estresse. Na praia, eu tinha um questionário sobre tônus afetivo, sobre pai e mãe, matriz emocionais parentais, interações sociais”, diz.
Ruy descobriu que a reação de cada um depende do afeto que essa pessoa recebeu na infância. Neurocientistas afirmam que as trocas afetivas entre pais e filhos no começo da vida são fundamentais para a formação do sentimento de segurança nessa criança no futuro.
Ruy, que é neurocientista, estudou muito e percebeu que poderia ajudar atletas a melhorar seu desempenho trabalhando o cérebro deles. “Imagina que você está na área de aquecimento agora. Trabalhando a respiração. Focada nos movimentos. Que você vai executar durante a luta. Imagina as adversárias que você vai enfrentar”, diz à judoca Kelly Rodrigues. Parece um joguinho bobo, mas fez toda a diferença na vida de Kelly.
Moradora da Rocinha, no Rio de Janeiro, a maior favela da América Latina, ela começou a lutar há cinco anos. O início foi bem difícil. “Ficava nervosa, tremendo, e, na hora de lutar, não conseguia fazer, acabava caindo. Quando o Ruy começou a ajudar a gente com respiração, eu comecei a ter mais foco, conseguia escutar mais o técnico, que não conseguia antes”, afirma a judoca.
A Confederação Brasileira de Judô também usa neurociência no treinamento de seus atletas, e teve resultados. O judoca Rafael Silva, o Baby, ganhou bronze em Londres. “O esporte é feito de detalhes. Todo mundo chega muito treinado, mas, na hora, ali, o mental vai definir a luta, quem está melhor preparado mentalmente”, diz. Fazer parte da seleção brasileira em 2016 é o sonho da Kelly, e ela está lutando muito pra conseguir.
Os neurocientistas usam um aparelho chamado biofeedback nos atletas. Um sensor é colocado na orelha dos judocas para medir a frequência cardíaca.  Quando estão nervosos, ansiosos, o batimento fica irregular.
Para evitar isso, os atletas aprendem uma técnica de respiração para treinar o coração, que envia sinais elétricos para o cérebro. São esses sinais que fazem a asa delta do joguinho ganhar altura e velocidade.
O treinamento aumenta a capacidade de concentração e o autocontrole dos judocas.  Explorar a pausa é o que fazem também os alunos de uma escola municipal de Caucaia, cidade que fica na região metropolitana de Fortaleza. “Antes eu fazia as contas sem pensar, agora eu penso como o método do semáforo, que a tia ensinou: tem que parar, pensar e agir”, diz o estudante Alexsandro Garcia Pereira, de 11 anos.
A metodologia do semáforo é simples e muito funcional. “Quando a gente está na aula de história e geografia, eles param para pensar. Não é que nem antes, que eles diziam qualquer resposta para ser engraçado”, afirma a professora Valdenir Cavalcante.
As crianças são incentivadas a fazer uma tarefa de cada vez. Neurocientistas são unânimes em afirmar que ninguém consegue prestar atenção em duas coisas ao mesmo tempo.
“Quando a gente diz que consegue ler e ver televisão ao mesmo tempo, não consegue. Seus olhos podem continuar se movendo na página, mas ou você registra o texto que está ali na frente dos seus olhos, ou você registra o texto que está ouvindo da televisão. As duas coisas ao mesmo tempo nao acontecem”, afirma a neurocientista da UFRJ, Suzana Herculano-Houzel. “O que a gente consegue fazer é alternar entre duas coisas”, diz.
A escola de Caucaia é uma das mais de 600 que trabalham com um método israelense, baseado na neurociência, trazido ao Brasil pela pedagoga Sandra Garcia.  Eles usam jogos de tabuleiro e de raciocínio. 
“Eu aprendi a raciocinar mais, a pensar mais, e melhorei muito nas matérias”, diz a estudante Michele Martins.“Eu não conseguia pensar, fazia tudo ligeiro, aí eu tirava nota baixa. Agora, eu começo a pensar e fazer as contas direito”, afirma o estudante Francisco José Guimarães.
Eles têm apenas uma aula por semana de 50 minutos com os jogos e acabam levando o que aprendem para as outras matérias. “O jogo usa o raciocínio, você encontrar uma outra maneira de resolver uma questão. É o que eu sempre digo para eles, que não existe só uma resposta. Você não pode chegar à resposta só por um caminho. São vários caminhos para chegar a uma mesma resposta”, afirma Valdenir.
Não é só na escola que eles aprendem. Os estudantes ganham os tabuleiros e levam para casa. Alexsandro, aluno do colégio há quatro anos, mora com a família na zona rural de Caucaia. “Eu perdi a vergonha, tenho mais coragem de ler, falo mais com as pessoas. Ler nos ajuda a ser alguém na vida”, diz.

Projeto pioneiro une neurociência à educação em escolas no Brasil


Parece bem difícil fazer a ultrapassagem na Fórmula 1, ainda mais a 300 quilômetros por hora, mas, para os pilotos profissionais, não é. Até porque, em muitos momentos, eles enxergam como se estivesse em “slow motion”.
“Você está atrás de um carro, e a reação é muito rápida. Tem que decidir rápido demais, mas a sua decisão, você acaba enxergando em câmera lenta. Mais ou menos imagina a reação do carro da frente também”, diz o piloto Felipe Massa.
Não são só os pilotos de Fórmula 1 que têm essa sensação. Uma pesquisa feita por neurocientistas de uma universidade da Inglaterra provou isso.
A maioria dos laboratórios de neurociência de Londres fica em volta da Queen Square, a "praça rainha". Foi no Instituto de Neurociência Cognitiva da University College que foi feita uma pesquisa comprovando essa percepção de muitos atletas.
O profissional está tão treinado, tão condicionado para, por exemplo, devolver uma bola em um jogo de tênis ou ultrapassar um carro, no caso de um Piloto de Fórmula 1, que o cérebro dele tem a ilusão de ter mais tempo pra fazer aquela ação. Essa ilusão, claro, é sempre muito bem-vinda.
O responsável pelo estudo é o neurocientista japonês Nobuhiro Hagura, que recebeu a equipe do Jornal da Globo no laboratório dele, na capital inglesa. Hagura diz que, com a ilusão de ver tudo em câmera lenta, fica mais fácil para o piloto profissional fazer a ultrapassagem, já que ele consegue processar com mais detalhes as informações que entram no cérebro dele.
Há exercícios que intensificam ainda mais essa percepção, como o que o piloto Bruno Senna faz antes das corridas. Parece uma brincadeira boba, mas está longe disso.
O piloto usa um óculos criado especialmente para este tipo de treinamento. É como se a lente ficasse piscando. A impressão é a de que estão acendendo e apagando as luzes. “Depois, você tira os óculos, e fica um pouco mais lento. O tempo na sua frente fica um pouco mais lento, porque você está vendo muito mais do que estaria vendo com o óculos. É como se você estivesse fazendo o seu cérebro usar mais a informação que ele tem”, afirma Bruno.
Era exatamente o que fazia o tio de Bruno, Ayrton Senna. Ele conseguia usar, como poucos, as informações que tinha e, sempre, impressionava os mecânicos. “O cara conseguia acertar o carro sentindo no corpo dele as nuances do asfalto, que a telemetria da Honda não conseguia detectar. Então o corpo dele era um transdutor para o cérebro dele que ultrapassava a tecnologia”, diz o neurocientista Miguel Nicolelis, chefe do departamento de neurociência da Universidade Duke (EUA).
Mas quantos Ayrtons existem? Se depender de Nicolelis, cada vez veremos mais brasileiros geniais no que fazem. O neurocientista já está fazendo a parte dele. Em Macaíba, na região metropolitana de Natal, no Rio Grande do Norte, há um projeto pioneiro e ambicioso, que une neurociência à educação: o Campus do Cérebro, criado por Miguel Nicolelis.
A obra começou em 2010 e já impressiona pelo tamanho. É uma mega estrutura no meio de uma zona rural. Não há nada em volta. A construção deve ficar pronta ainda este ano. Será uma escola de tempo integral para 1.500 crianças ao lado de um grande centro de pesquisa de neurociência.
“A ideia é começar no pré-natal. Acompanha-se a mãe e a criança, cria-se um histórico, e aí a gente acompanha essa criança ao nascer até o final do Ensino Médio, agora em uma escola própria do Campus do Cérebro, onde as crianças vão poder ficar em tempo integral, desde o nascimento até o final do Ensino Médio”, afirma Nicolelis.
Não será a primeira experiência da equipe de Nicolelis em sala de aula. Desde 2007, eles são os responsáveis pelo projeto Educação Para Toda Vida, para jovens de dez a 15 anos. Em dois colégios no Rio Grande do Norte e um na Bahia, 1.500 alunos participam de aulas em laboratórios, oficinas de biologia, computação, ciências, robótica. “Em casa, ajudo a minha mãe, Quando quebra alguma coisa, eu a ajudo”, diz o aluno Adrian Everton Barbosa.
As aulas que eles têm são extracurriculares e apenas duas vezes por semana. Os alunos vieram de escolas públicas da região, onde continuam estudando, mas agora têm dois colégios, cada um em um turno.
“Nós fomos a escolas com dificuldades porque a minha proposta era essa mesma. Eu quero ir a um lugar onde ninguém iria, eu quero ir a um lugar onde as crianças jamais receberiam essa atenção”, diz Nicolelis.
O currículo é totalmente prático, inspirado no conhecimento neurocientífico de que o cérebro aprende por associação. “Quando a gente associa à prática, leva isso para o resto da vida”, afirma o professor André Ricardo Bandeira de Carvalho.
Os resultados são animadores. “O que eu estou percebendo desde o início do projeto, é, exatamente, o comprometimento dos alunos”, diz Itamar Bezerra da Nóbrega Neto, professor e coordenador da Oficina de Robótica.
“Eles passaram a ter um maior empenho nos estudos, passaram a ter um maior desejo de aprender”, afirma Dora Maria Montenegro, diretora do instituto. O projeto, que mudou a realidade desses alunos, deve servir de exemplo para outras escolas brasileiras.
“A escola tem que abrir a imaginação dessas crianças para o impossível. Elas têm que sonhar com o impossível, porque mesmo que elas não cheguem lá, o caminho para chegar ao impossível sempre vai dar lucro. Você sempre vai fazer alguma coisa que vale a pena”, diz Nicolelis.




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