quarta-feira, 27 de março de 2013

DANDO VIDA A UM CÉREBRO VIRTUAL


Há meses, Henry Markram e equipe vêm alimentando um supercomputador com dados. São quatro caixas pretas do tamanho de máquinas de venda automática rodando em silêncio no porão da Escola Politécnica Federal de Lausanne, Suíça.
As caixas abrigam milhares de microchips, todos programados para atuar como uma célula cerebral. Cabos levam sinais de microchip para microchip, exatamente como fazem os neurônios num cérebro de verdade.
Em 2006, Markram apertou o botão. O Blue Brain, uma teia intricada de quase dez mil neurônios virtuais, crepitou para a vida. Enquanto milhões de sinais corriam pelos cabos, surgia a atividade elétrica parecida com ondas cerebrais verdadeiras.
'Aquele foi um momento incrível', ele falou, comparando a simulação com o que acontece no tecido cerebral real. 'A combinação não era perfeita, mas era boa. Como biólogo, eu fiquei impressionado.'
Após decidir que simular o cérebro inteiro num supercomputador seria possível durante o curso de sua vida, Markram, agora com 50 anos, se determinou a prová-lo.
Não se trata de um feito pequeno. O cérebro contém quase cem bilhões de neurônios organizados em redes com u, total de cem trilhões de conexões, todas disparando descargas elétricas de frações de segundos num caldo de moléculas biológicas complexas em fluxo constante.
Em 2009, Markram concebeu o Projeto Cérebro Humano, uma iniciativa abrangente e polêmica envolvendo mais de 150 instituições do mundo inteiro a qual, ele espera, reunirá os cientistas para realizar seu sonho.
Em janeiro, a União Europeia aumentou as apostas concedendo ao projeto um financiamento de dez anos de até US$ 1,3 bilhão – quantia inédita na neurociência.

Segundo Markram escreveu na revista 'Scientific American', 'uma cópia virtual minuciosa do cérebro humano permitiria a pesquisa em células e circuitos cerebrais ou testes de drogas baseadas em computação'.

Uma ideia igualmente ambiciosa de um 'grande cérebro' está a caminho nos Estados Unidos. O governo Obama deve propor seu próprio projeto, com até US$ 3 bilhões alocados ao longo de uma década para desenvolver tecnologias que rastreiem a atividade elétrica de todos os neurônios no cérebro.
Porém, enquanto muitos obstáculos atrapalham o desenvolvimento do projeto norte-americano, diversos cientistas expressaram sérias reservas em relação à iniciativa de Markram.
Para alguns, não sabemos o bastante sobre o cérebro para simulá-lo num supercomputador. Ainda seguindo a linha de raciocínio dos críticos, mesmo que o conseguíssemos, qual seria o valor de construir um 'cérebro virtual' tão complicado?
Henry Markram liga o fascínio com o cérebro a um trabalho escolar em sua terra natal, a África do Sul. Ele tinha 14 anos e. sentado na biblioteca lendo sobre depressão, ficou estupefato ao descobrir que podem existir 'explicações moleculares para doenças mentais' que poderiam ser tratadas com drogas.
Isso o colocou a caminho da faculdade de medicina, onde ele planejava tornar-se psiquiatra. Porém, enquanto aluno de medicina, percebeu que não sabemos praticamente nada sobre o que as drogas prescritas fazem no cérebro.
Markram raciocinou que, para compreender a doença mental, precisamos primeiro compreender o cérebro. 'Assim, larguei a faculdade de medicina e tracei um plano para fazer neurociência de verdade.'
Ele foi para o Instituto Weizmann de Ciência, em Israel, onde se doutorou, seguido por um período nos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), dos EUA, com bolsa da Fulbright. Esse trabalho o levou a cooperar com Bert Sakmann, neurofisiologista vencedor do Nobel, no Instituto Max Planck, na Alemanha.
O caminho de Markram para o Projeto Cérebro Humano começou com uma experiência para registrar a atividade elétrica de dois neurônios conectados num corte do cérebro de um rato. Ele descobriu que os neurônios precisavam de uma sequência exata de descargas elétricas para mudar a força de suas conexões. O cientista especulou que o mecanismo poderia ser a origem de nossa noção de causalidade.
Esse trabalho já foi citado milhares de vezes. Contudo, enquanto crescia sua reputação, o mesmo se dava com a impaciência.
Os neurônios estão organizados em circuitos interconectados que podem chegar a milhões. Markram percebeu que para obter um progresso real ligando neurônios a comportamentos, experimentar com apenas dois deles por vez 'não bastava'.
Em seu primeiro cargo acadêmico, no Instituto Weizmann de Ciência, de Israel, ele criou um novo experimento extremamente ambicioso que podia gravar dados não apenas de dois neurônios num cérebro de rato, mas de 12.
'Seu equipamento fez a NASA parecer humilde', contou Elise F. Stanley, orientadora de pós-doutorado de Markram no NIH, que o visitou no Weizmann, em 1995. 'Havia tantos equipamentos que não dava nem para ver o tecido cerebral.'
Pouco depois, Markram ficaria sabendo que o filho, Kai, era autista. 'Dá para imaginar como você se sente impotente. Você tem um filho com autismo e, enquanto neurocientista, não sabe o que fazer.'
Ele começou a questionar o efeito de seu trabalho. 'Eu vi que poderia escrever um trabalho de investigação notório por ano, mas e daí? Eu morro e vai haver uma coluna na minha sepultura com uma lista de estudos bonitos.'
Markram decidiu que precisava mudar sua abordagem, vendo que experiências não bastavam.
Após ficar sabendo de um novo supercomputador da IBM, ele se questionou: 'E se cada microchip do supercomputador representasse um neurônio no cérebro?'. Seria possível rodar simulações para realizar experimentos virtuais e, ao contrário das experiências reais, ver cada 'neurônio' em ação. 'Se eu o construísse com a quantidade necessária de detalhes biológicos, ele iria se comportar como um cérebro de verdade.'
Ele mudou o laboratório para a Escola Politécnica Federal de Lausanne, que aceitou comprar o supercomputador de US$ 10 milhões. Armado com dados de 20 mil experimentos, Markram passou a construir o Blue Brain.
Em 2008, sua equipe havia criado um 'fac-símile digital' de uma parte cilíndrica do tecido no córtex do rato. Em 2011, a equipe anunciou ter simulado uma 'fatia virtual' de tecido cerebral com um milhão de neurônios.
Ele fez a proposta do Projeto Cérebro Humano, que levaria o Blue Brain a simular o cérebro humano. Como não conseguiria executá-lo sozinho, Markram pediu ajuda à comunidade científica.
Entretanto, muitos cientistas são extremamente céticos em relação às realizações do Blue Brain.
Para os críticos, embora a equipe tenha conseguido produzir uma simulação computadorizada de algo, não se tratava de um corte do cérebro.
'Era completamente sem sentido, apenas atividade aleatória', disse Alexandre Pouget, neurocientista da Universidade de Genebra, referindo-se às visualizações estonteantes que o grupo de Markram apresenta nas conferências. 'A afirmação segundo a qual ele simulou o córtex de um rato é completamente ridícula.'
E, num momento de competição acirrada por financiamento para pesquisa, alguns cientistas temem que o Projeto Cérebro Humano torne os fundos ainda mais escassos. 'Podem existir efeitos indiretos', reconheceu Andrew Houghton, representante da Comissão Europeia.
Porém, os temores são bastante profundos.
Para alguns pesquisadores, é prematuro investir dinheiro numa simulação enquanto princípios importantes da função cerebral ainda não foram descobertos.
Outros afirmam que o projeto é tão aberto que faz pouco sentido sem critérios de sucesso claramente definidos.
'Não é como o Projeto do Genoma Humano, no qual bastava ler bilhões de pares de bases e pronto', disse Peter Dayan, neurocientista do University College London. 'No caso do cérebro humano, o que seria necessário saber para fabricar uma simulação? Essa é uma questão de pesquisa enorme, e tem a ver com o que é importante saber sobre o cérebro.'
Há quem diga que a controvérsia que cerca o trabalho de Markram esconde a verdadeira questão: como a neurociência deveria cuidar de seus recursos para alcançar uma compreensão real do cérebro?
'Uns dez mil laboratórios espalhados pelo mundo pesquisam questões diferentes sobre o cérebro,' escreveu Koch, do Instituto Allen, na 'Nature'. 'A neurociência é um campo fragmentado.'
Markram concordou. Segundo ele, o Projeto do Cérebro Humano criará um 'princípio unificador' para os cientistas defenderem.
De acordo com o idealizador, pela primeira vez, dados de laboratórios do mundo inteiro estarão num lugar só. Além disso, tentar criar uma simulação servirá para impulsionar campos como a computação e a robótica. Uma divisão inteira do projeto é dedicada à criação de uma nova raça de robôs inteligentes, dotados de microchips 'neuromórficos' projetados como neurônios no cérebro humano.
Segundo Markram, 'o maior sucesso para mim seria se depois de dez anos tivermos um novo modelo para a neurociência, onde todos trabalham juntos. A questão é uma nova fundação'.
'Colocar o problema no horizonte é muito importante. Quando as pessoas falam que o cérebro é tão complicado que nossos netos o resolverão, nós o colocamos além do horizonte.'


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